Class Clowns #2 - The Roll-Up Strategy: a ilusão de consolidar escolas como se fossem lojas de varejo
Por que tantos acreditaram que comprar escolas como se fossem redes de varejo seria um atalho para o sucesso — e por que essa estratégia tantas vezes falhou.
Dando continuidade à nossa série sobre o livro Class Clowns: How the Smartest Investors Lost Billions in Education, de Jonathan A. Knee, chegamos ao segundo capítulo, dedicado a uma das estratégias mais sedutoras — e perigosas — para quem investe em educação: a consolidação em larga escala.
Knee chama esse movimento de The Roll-Up Strategy: a ideia de comprar muitas instituições fragmentadas (escolas, faculdades, redes menores), consolidá-las sob uma gestão única, padronizar operações e capturar margens melhores por meio de economias de escala.
Em outros setores, como farmácias, clínicas médicas ou varejo, esse modelo gerou fortunas. Por que não aplicá-lo à educação?
A promessa que convenceu tantos investidores
Segundo Knee, o argumento parecia inatacável em apresentações de consultoria e bancos de investimento:
O mercado educacional é enorme, mas extremamente fragmentado.
Fragmentação significa ineficiência: múltiplos sistemas administrativos, compras sem escala, marcas locais sem força.
Consolidar resolveria isso: permitiria cortar custos, negociar melhor com fornecedores, padronizar qualidade.
Além disso, padronização permitiria criar marcas fortes, reconhecidas e valorizadas.
Era uma narrativa elegante, lógica, vendida com gráficos claros e projeções otimistas de sinergias e margens.
O problema fundamental segundo Knee
A crítica central de Knee é que essa lógica ignora o caráter profundamente local e relacional da educação.
Consolidar farmácias ou lojas de conveniência é uma operação diferente de consolidar escolas. Enquanto farmácias vendem produtos padronizados e replicáveis, escolas entregam algo enraizado em cultura, confiança e interação humana.
Principais barreiras que sabotaram muitas estratégias de roll-up em educação:
Resistência cultural: escolas têm identidade própria, métodos pedagógicos construídos ao longo de décadas, lideranças locais respeitadas. Mudanças bruscas encontram oposição de professores, pais e comunidades.
Regulação variada: cada estado, país ou município impõe regras específicas para currículo, gestão, financiamento. Centralizar decisões sem respeitar essas diferenças gera atritos ou até ilegalidade.
Reputação e confiança: educação é um serviço relacional. Confiança não se compra nem se transfere automaticamente de uma marca para outra.
Limites de padronização: o que funciona em um bairro ou cidade pode não funcionar em outro. Tentativas de impor processos idênticos costumam sacrificar qualidade ou adequação local.
Exemplos práticos que Knee menciona
Um dos casos mais conhecidos de tentativa de roll-up foi o da Laureate Education, também citada no capítulo anterior:
Comprou dezenas de universidades ao redor do mundo, prometendo criar uma “marca global de ensino superior”.
Na prática, enfrentou regulações diversas, culturas acadêmicas muito diferentes, resistência local e custos de adaptação muito maiores que o previsto.
Resultado: dívidas elevadas, necessidade de vender ativos, resultados abaixo das expectativas.
Outro exemplo mais geral, mas frequente, foram redes de escolas K-12 que tentaram comprar instituições menores para criar “redes nacionais” de ensino. Muitas delas descobriram que:
Famílias valorizam a tradição local da escola.
Mudanças em currículo ou equipe geram reações negativas.
Qualidade e reputação podem cair ao tentar uniformizar demais.
A crítica ao PowerPoint Capitalism
Knee chama atenção para o papel das consultorias estratégicas nesse processo.
Elas criaram projeções de ganhos de escala que pareciam irresistíveis:
Redução de custos administrativos.
Melhores condições de compra com fornecedores.
Marketing centralizado.
Ganhos de reputação.
Essas sinergias existem em parte, mas as apresentações costumavam ignorar ou minimizar:
Os custos de integração.
A complexidade regulatória.
As resistências culturais.
A perda de valor de marcas locais.
Em outras palavras, era fácil prometer sinergias em slides — muito mais difícil entregá-las na prática.
A grande lição do capítulo
Para Knee, o erro não foi tentar melhorar a gestão ou buscar eficiência. O erro foi assumir que a educação poderia ser gerida como varejo puro, com estratégias de consolidação que não respeitavam sua natureza.
Educação não é uma cadeia de lojas.
Ela é um serviço que depende de confiança, cultura e relação humana.
Para quem pensa em investir ou operar no setor, o convite do capítulo não é desistir de buscar eficiência — mas reconhecer:
Os limites da padronização.
A importância da autonomia local.
O valor do relacionamento com a comunidade.
A necessidade de respeitar culturas institucionais.
Perguntas que vale fazer antes de propor um “roll-up” em educação:
Estamos respeitando as diferenças culturais e regulatórias de cada local?
Como vamos manter ou até fortalecer a reputação das marcas locais?
Nossos ganhos de escala são reais ou apenas projetados?
Estamos ouvindo quem opera no dia a dia ou apenas quem faz os slides?
Conclusão
O Capítulo 2 de Class Clowns mostra que não basta ter acesso a capital ou saber negociar aquisições.
Em educação, consolidar exige mais do que comprar e cortar custos. Exige sensibilidade para manter o que dá certo localmente e humildade para reconhecer o que não se pode simplesmente padronizar.
No próximo post desta série, vamos falar sobre o Capítulo 3 — The Public-Private Partnership Fantasy, analisando a crença de que parcerias com o poder público resolveriam os problemas da educação — e por que esses arranjos tantas vezes fracassaram.

